As crianças vivem pelos sentidos. As experiências sensoriais ligam o mundo exterior da criança ao mundo interior, escondido, afetivo. Como o ambiente natural é a principal fonte de estímulo sensorial, liberdade para explorar e brincar com o mundo exterior pelos sentidos em seu próprio espaço e tempo são essenciais para o desenvolvimento saudável de uma vida interior…
(MOORE, 1997, p.203 apud LOUV, 2018, p.87)
O ano de 2023 começa e com ele inauguramos o nosso tema anual – “Na relação com a natureza eu encontro o outro”. Este tema foi gestado durante o segundo semestre de 2022, estudos e reflexões pautaram nossa escolha. Porém, podemos afirmar que o que ficou latente e que fez com que o nascimento enfim ocorresse foi o movimento de observação que realizamos das nossas crianças e adolescentes ao se relacionarem entre eles e com os demais elementos naturais. A ideia é mergulhar de forma profunda em uma temática que foi sendo afastada do nosso dia a dia.
Marcamos de forma consciente a presença da ‘polaridade essencial’ – eu e o outro, o nós, a comunidade, a colaboração. Porém, estamos indo além: estamos afirmando que encontramos o outro, através de nossa relação com a natureza e na natureza. Mas, o que é a natureza? São as plantas, os animais, as águas e tudo mais? A natureza está fora de nós? Nós estamos fora da natureza? Nós, seres humanos, somos natureza? Por que nos separamos da natureza? Para que nos separamos da natureza? Como resgatar as nossas essências? A nossa ancestralidade?
As perguntas são muitas e precisam ser encaradas por nós, enquanto sociedade! Refletir sobre esses questionamentos é essencial para que nós, humanos, consigamos sobreviver como espécie neste planeta e para que consigamos mais: viver como seres de consciência, de afeto e de desejo.
O distanciamento da natureza não aparece como um passe de mágica, se inicia a partir do Iluminismo, onde uma pedagogia é estruturada para “proteger as crianças da natureza”. Neste sentido, a natureza aparece como sendo o contrário de educação. Educar significa tirar a criança da natureza e levá-la para um comportamento civilizado, polido, limpo. O ser humano aqui é visto como aquele responsável por dominar a natureza e extrair dela tudo o que necessita para a sua sobrevivência, seu conforto e sua longevidade.
Quando a Rede Cruzada escolhe essa temática para nos guiar ao longo deste ano é porque temos convicção de que a relação com a natureza é o que tem maior potencial de provocar e fortalecer o encontro entre os seres humanos, assim estamos resgatando algo que foi conscientemente planejado para não acontecer. A criança que se aproxima da natureza, fortalece sua autonomia, desenvolve seus movimentos de forma mais complexa e robusta e, consequentemente, pode se tornar mais cooperativa, flexível e cognitivamente mais inteligente; a criança compreende em seu corpo de que a relação com os elementos naturais e os demais seres humanos é central para que a vida seja preservada e continue.
A ideia de natureza “lá fora”, nos distancia de nós mesmos e consequentemente nos distancia do outro. Somos parte deste todo que constitui nossa personalidade comunitária, nossa personalidade planetária. Basta dizer que somos formados em 70% do nosso corpo pelo elemento vital que é a água, líquido acolhedor dos úteros que nos guardaram até a chegada neste mundo. Este mesmo elemento – a água – combinada com a luz/sol são os grandes geradores da vida. É a mesma vida fora e dentro de nós.
Na perspectiva de relação com a natureza e de encontro, a organização do planejamento pedagógico foi ilustrado abaixo, por Rodrigo Bueno¹.
Acreditamos no papel da sala de referência, que tem o seu espaço no dia a dia, e junto com ela o desemparedamento no qual a criança e o adolescente podem viver diversas experiências ao interagir com seus pares e elementos naturais presentes nos pátios e arredores do território. Ter a possibilidade de se conectar com a água que acalma, refresca, equilibra nossos sentimentos é essencial. Contar com um espaço em que as crianças e adolescentes possam acompanhar o ciclo de plantio, ver os alimentos nascendo, possam cuidar e colher vegetais, legumes e frutas e, assim, preparar os alimentos com suas próprias mãos trazendo os sentimentos de conexão e pertencimento.
Aproveitamos para compartilhar com vocês que o Núcleo pedagógico estará por aqui contando as aventuras, conquistas e desafios que vão surgir ao longo de cada mês. Será muito bom poder interagir com quem, assim como nós, vê na Educação a possibilidade de equidade e transformação social.
Isis Flora e Núcleo Pedagógico
LOUV, Richard. A última criança na natureza.1ª edição. São Paulo: Editora Aquariana, 2018.
¹ Rodrigo Bueno é ilustrador, designer gráfico, pedagogo e pai de gêmeas. Publica quadrinhos autobiográficos sobre as aventuras da paternidade no perfil @diario_ilustrado
Isis Flora é pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), formada em Psicopedagogia Clínica, escolar e comunitária pelo Pró Saber/RJ e, também, formada em Educação Psicomotora pelo Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR). Dedica-se ao estudo da Educação como possibilidade de transformação e equidade social através da formação de educadores conscientes e atuantes. Neste momento, atua como facilitadora do Núcleo pedagógico da Rede Cruzada e como professora na graduação do curso de Formação de Professores do Pro-Saber/RJ.