Por Philyppe Motta*
Tentando dar conta dessa pergunta, a resposta mais honesta é: não sei. Mas não se engane se você acha que essa ignorância é fruto de um descaso, falta de interesse ou de intimidade. Ao contrário, a primeira etapa da aprendizagem consiste justamente em aceitar que não sabemos, e assim nos esforçamos para descobrir o que queremos. Então, não saber se torna nossa principal bússola. Porque não é sobre errar ou acertar, mas sim reconhecer o que não funciona mais e persistir no desejo de cuidar de tudo e todas. É isso que eu quero! Precisamos continuar tentando. Agora, será que é possível construir uma cultura não-violenta? Eu continuo acreditando que sim.
Se você já parou em algum momento – ou em infinitos como eu – pra pensar sobre onde é que a violência surge, talvez já tenha imaginado que ela não se encontra em nenhum lugar específico, porém “o que viola” a vida, ou seja, a violência, acontece na relação. Na relação comigo mesmo, com as outras pessoas e, também, na relação com o mundo do qual faço parte. Por isso, uma das coordenadas que a bússola nos aponta é que precisamos observar como cada um e cada uma de nós experimenta as violações em qualquer uma das nossas relações. Mas o que é importante para mim que está ou estaria sendo violado?
Por exemplo, quando eu estou num ambiente de aprendizagem, numa sala de aula, e aí decido fazer uma pergunta curiosa e alguém responde com um tom de voz muito elevado dizendo que eu deveria saber a resposta, gritando comigo, acho que a primeira coisa que sinto é uma frustração porque que minha autenticidade não está sendo respeitada. E essa é uma das referências, ou seja, o que é importante para mim na minha vida, que me dá condições de reconhecer e também imaginar como as pessoas estão se sentindo quando elas estão experimentando alguma violação. A impressão que eu tenho é que as histórias são diferentes, mas no fundo as pessoas não valorizam as mesmas coisas? Mesmo que não tenhamos a intenção, o fato é que fazemos escolhas e dizemos palavras que muitas vezes levam as pessoas numa direção que acaba por causar a experiência da violência.
Por trás de toda sensação de dor e desconforto existe isso que é importante e valioso para cada um e cada uma de nós que parece não ter sido cuidado de alguma forma. Então, se é verdade que queremos cuidar de tudo e de todas, precisamos imaginar o que é isso de tão valioso que fica escondido por trás das expressões, dos gestos e das ações das pessoas que muitas vezes não conseguimos enxergar.
No fim das contas, o que é valioso para as pessoas é o significado que elas dão para as suas próprias vidas. Precisamos aprender a linguagem de farejar esses sentidos e aprender o que é importante para as pessoas. E isso inclui sobretudo as crianças, passando pelos jovens até nós adultos. Sabe aquela história de que os cachorros sentem o cheiro há metros de distância de seus companheiros humanos? É bem por aí. Se não conseguimos farejar esses sentidos, como seremos capazes de cuidar do que cada pessoa precisa em cada ocasião específica?
Como eu escrevi no início, a verdade é que quando estamos lidando com as situações inesperadas do dia a dia, das mais rotineiras e simples até aquelas mais complexas, assumir que muitas vezes não sabemos o que fazer, que não sabemos ler os significados por trás das ações e, também, os contextos pelos quais as pessoas estão passando nos coloca num intenso desafio sobre qual direção tomar. Mas esse é o desafio de aprender a conviver, não é? Uma coisa é certa, se eu sei reconhecer o que é importante para mim e, também, compreender o que é importante para as outras pessoas, temos mais chances de cuidar umas das outras e imaginar futuros diferentes do que estamos podendo ver agora.
*Sobre o Autor
Philyppe Motta é filósofo, possui mestrado em Ética Aplicada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e, também, é formado em mediação de conflitos pelo instituto Mediare. Investiga a Não-Violência há mais de 10 anos e pesquisa como aplicar seus princípios na construção de espaços de aprendizagem onde a escuta, a conexão e o diálogo estejam no centro das relações. Todo o seu trabalho está baseado no que chama de Educação para Não-Violência, e por isso tem tido a oportunidade de aprender com seres humanos de todas as idades: as crianças, os jovens e adultos. Nesse momento, atua como coordenador de projetos, educador e, também, como consultor em duas organizações da sociedade civil que estão todas em território de favela e periferia: a Rede Cruzada e o DataLabe.