Carla Souza e Isis Flora
Onilé, a Primeira Divindade da Terra, segundo a mitologia Yorubá. É uma divindade feminina relacionada aos aspectos essenciais da natureza sobretudo ao que se relaciona à apropriação da natureza pelo homem, o que inclui a agricultura, a caça e a pesca e a própria fertilidade. Tudo começa com Onilé, a Terra-Mãe, tanto na vida como na morte. Onilé, a que também foi chamada de Ilê, a casa, o planeta. Olodumare, pai da Divindade, disse que cada um que habitava a Terra pagasse tributo a ela, pois era a mãe de todos, o abrigo, a casa. (REGINALDO PRANDI)
A Rede Cruzada vê a escola como um lugar de ampliação das culturas e narrativas do mundo. Educadores e educadoras têm um papel fundamental de trazer diferentes visões, abordagens e possibilidades de interação e compreensão que levam crianças, adolescentes e famílias para um lugar de reflexão. Assim, nosso desafio é remar na contramão e desconstruir o lugar de destaque oferecido em nossa sociedade aos estímulos multicoloridos e plastificados. Por isso, nos fazemos a pergunta: o que tem mais valor? Um brinquedo criado e produzido pelas crianças ou um brinquedo impecável confeccionado em uma fábrica? Não estamos dizendo isto ou aquilo, como nos fala a querida Cecília Meireles, porém estamos refletindo sobre o espaço destinado aos brinquedos fabricados e também o espaço para as produções de brinquedos de pano e de madeira pelas crianças..
Não foi por acaso que escolhemos como tema de trabalho a natureza – “Na relação com a natureza, encontro o outro”. Portanto, nosso ano letivo está organizado em quatro épocas que abraçam os elementos água, terra, ar e fogo. E agora, queremos contar para vocês como foi gestada a segunda época – terra – e como tem sido desenvolver este trabalho. No entanto, para isso, vamos antes relembrar sobre o trabalho realizado na primeira época – água. Começamos visualizando a potência da água, descobrindo que sem ela não podemos sobreviver e que nosso corpo é composto em grande parte por ela. A água é o início de toda a vida. Bebês são gerados no útero envoltos em água, nascemos e precisamos de água para nos hidratar, além das sementes que só germinam se receberem água e também os animais que precisam dela para sobreviver. Estes são só alguns pontos que nos levaram a grandes reflexões. A partir disso, e também não por acaso, a segunda época traz o elemento terra que junto com a água pode se tornar o berço para a concepção de várias plantas, árvores e vegetais.
Não sabemos direito quando deixamos de frequentar quintais e espaços cheios de terra para brincar. O fato é que o mundo moderno passou a temer tudo que não é “limpo e seguro”. Os parques, cada vez mais plastificados, iluminados e com muitas cores, estão afastando o desejo das crianças pela investigação em ambientes naturais e verdes. Acreditamos que a escola precisa ‘fazer frente’ a esse movimento. Precisamos abrir espaço para o ócio, para a observação e a contemplação. Perceber as diferentes cores e tons presentes nas plantas, nas árvores, nas frutas, na terra, enfim em todos os elementos da natureza.
Durante a pesquisa para a segunda época, realizamos uma reflexão com a equipe pedagógica pensando na terra como um elemento vital. Então, lançamos a seguinte pergunta: “O que é terra para vocês?” A reflexão foi grande e muitas palavras foram ditas, como por exemplo: ancestralidade, casa, alimento, chão, plantação, entre tantas outras, mas a palavra que mais se repetiu e ficou ecoando em nossos pensamentos foi VIDA! Coletivamente, chegamos à seguinte definição: a terra representa a vida que ela nos proporciona. E assim, com essas reflexões, fomos para as salas de aula pensando que as crianças agora iriam aprender sobre um elemento que as deixaria ainda mais cheias de vida. Sujas? Não mais. Afinal, quem pode estar suja de vida? A vida é um presente que recebemos e o elemento terra simboliza essa vida.

Os projetos foram sendo construídos com muitas trocas, estudo e observação. As propostas lançadas estão voltadas para que os pequenos percebam a cor, a textura, as transformações, as formas da terra seca, da terra molhada, do barro, da argila, a cada dia observam com mais curiosidade os bichinhos que estão na terra… E para surpresa de uns e certeza de outros, eles não sentiram mais “nervoso”, pudor ou medo em tocar neste elemento, que dentre tantas coisas, traz a vida.
No dia a dia, vem nascendo receitas de lama, receitas de bolos e comidas que levam terra, água, sementes, folhas e flores, desenho de tintas terrosas, pesquisa sobre os bichos que moram na terra e sobre como as sementes germinam. Será que todas germinam da mesma forma? Existem plantas que precisam de mais água ou de menos água? O que mais a terra pode nos oferecer? Muitos questionamentos povoam as mentes investigativas das crianças. Ainda teremos muitas respostas que chegarão através do chão da escola. Até o próximo mês!

Referência:
PRANDI, Reginaldo. Onilé, a primeira divindade da Terra. Centro Afro Bogotá. Acesso em 18 de maio de 2023.
Carla Souza é pedagoga, com 24 anos de atuação na educação infantil, contadora de histórias pretas e criadora do Projeto Ẹbí. Atua como Assistente Pedagógica na unidade de Riachuelo, Rede Cruzada.
Isis Flora é mestre em educação e psicopedagoga. Atua como gerente pedagógica da Rede Cruzada.