Por Shai Yaguara
Na Casa Emilien Lacay, a Unidade Cidade de Deus da Rede Cruzada, há quase dois anos observo frutas, crianças e idosos tecendo perspectivas sobre os ciclos de aprendizado feito nas trocas da escola. Eu sou uma das mães atendidas pela instituição, e não por acaso encontrei nos modos de conduzir a educação proposto pela Rede um lugar seguro para expressar questionamentos que há anos me faço ao observar outros locais de ensino da região onde estamos.
Sempre acreditei na escola como um espaço-espelho dos valores sociais que acreditamos e nutrimos em nossos territórios. Nesse sentido, é imperativo perceber o que é valorizado naquilo que cada criança troca e desenvolve com o ambiente e com a proposta pedagógica. Ao procurar, portanto, um local que acolhesse os valores que eu acredito na grande Jacarepaguá me deparei com uma realidade que eu já intuía.
Na maioria dos lugares por onde passei antes, notava a pressa em fazer crescer. O desenvolvimento direcionado à resultados rígidos. Sistemas limitantes em perspectiva. Inclusão no mais raso discurso, criticidade social e racial nulas, quando não um tabu. Tudo isso era muito distante do que eu vivencio com a minha criança, a Nola. Eu havia decidido criá-la autoconsciente de sua identidade: uma criança preta e indígena, filha de mãe e pai candomblecistas, que é criada de forma compartilhada e presente com seus avós e primas. Da maneira que posso, convoco minha aldeia ao criar minha criança. Mas como isso seria possível em uma escola que não abraça suas particularidades, ou as minhas? Como eu poderia nutrir o conceito de comunidade que acredito presente em sua memória enviando-a à uma instituição onde a competição é mais valorizada que a colaboração? Para mim, não fazia sentido. Acredito que quando criamos pessoas fortalecidas de suas identidades, com a percepção de seus talentos e individualidades, não precisamos prepará-las para disputar qualquer espaço: elas crescem conscientes daquilo que lhes pertence.


Parece assustador crescer inteiro de si para quem amadureceu fragmentado, não é? Mas foi no quintal de jambos que lembravam a minha infância lá na Rua Araticum que encontrei algumas respostas para esses anseios que me acompanhavam até o começo do ano passado. A descoberta da Cruzada foi mais que um alívio: foi uma surpresa. No início da minha vida profissional, trabalhei com educação infantil por 4 anos e sempre estive muito atenta aos moldes pedagógicos propostos. Em nenhum deles eu já havia visto um lugar que sustentava a experiência entrelaçada do envelhecer e o crescer, juntos.
Observar o movimento intencional pedagógico da Cruzada é ver a tentativa insistente em possibilitar que, assim como meus ancestrais faziam, uma comunidade se forme em torno da beleza de permitir que nós, assim como a natureza, amadureçamos em ciclos, olhando para os inícios e fins todos os dias. Há um ano e meio, assim como nos espaços onde se preservam as tradições africanas, os mais velhos subjetivamente abençoam as manhãs dos mais novos. E os pequenos reafirmam suas potências convidando-os a partilhar conosco – mães, pais e funcionários – a grandeza de suas trajetórias de vida.


Observo as árvores onde as crianças se reúnem para colher, ler histórias, dançar e cantar em roda. Num território onde o afeto tece o aprendizado, brincamos de crescer e envelhecemos brincando. Talvez isso seja parte do que espaços com trocas tão rígidas e antiquadas precisam lembrar: quando nossas identidades são um crivo para o conhecimento, há espaço para acolher e valorizar todas as formas de ensinar e aprender. Isso rompe com os valores coloniais predatórios e coloca em evidência o que se colhe a cada ciclo: os saberes dos mais velhos, da árvore, da fruta, da grama. Aprendemos com o fogo, com a troca, com o abraço e com o cheiro. Tudo comunica e fala aos nossos sentidos, convoca o saber presente no corpo, faz rimar os corações e ritmos. Amadurecer no quintal tem cheiro de infância e tem cheiro de vó. É mistura que acolhe e nos relembra que o que fica gravado na gente é o afeto, e aprender tem outro sabor assim.


Shai Yaguara é uma mulher que desenha e conceitua organizações num processo afetivo e profundo. Com 10 anos de experiência em Branding, é referência em Narrativa e Estratégia Criativa. Ao longo de sua trajetória à frente da Mascavo Estúdio, cocriou com marcas como Netflix, Natura, Lola Cosméticos, Grupo MAG, Olabi, Bayer, Sebrae e outras grandes empresas desenvolvendo serviços, marcas, diálogos, experiências e projetos inclusivos. Sua atuação como consultora ajuda a modelar processos com uma comunicação mais eficiente, e o impacto do seu trabalho está nos afroempreendimentos do seu portifólio: com seu método em gestão da identidade, posiciona e oferece as ferramentas certas para ganho de capilaridade no mercado, de pessoas e negócios. É poetisa & compositora, mulher negra, puri, bissexual, carioca e mãe da Nola. Facilita os temas de sua expertise trazendo em sua jornada a condução de experiências com amplitude e conexão.