Um dia de passeio com as crianças e adolescentes do DesKobrir¹

Lua Fonseca² e educadores sociais do DesKobrir

“Ei, quando será o nosso passeio?” perguntava cotidianamente a aluna de 13 anos. O tempo até a outra semana estava devagar, bem devagar. Em cada cantinho do nosso espaço, as crianças e os adolescentes realizavam perguntas sobre como seria o passeio para o centro da cidade do Rio de Janeiro. Nós, respondíamos: vamos para um lugar com histórias sobre a gente e os nossos ancestrais. Os olhinhos das nossas crianças e adolescentes transbordavam cenas imaginadas.

Consideramos importante marcar que o direito à cidade e ao lazer é premissa para a construção de uma educação comunitária, pertencente e com sentido. Deixar o corpo viver, experienciar, compartilhar, resgatar e construir histórias é costurar a pedagogia do cotidiano com afetos, aprendizagens, imaginários e memórias. Ailton Krenak, pensador e ativista indígena e uma das referências pedagógicas do projeto DesKobrir nos ensina que devemos contar histórias para adiar o fim do mundo. Com isso, passear pela cidade e museus é mais um passo para viver o presente e adiar o fim do mundo. 

Chegou o dia, nossas crianças e adolescentes chegaram mais cedo na Rede Cruzada, com sorrisos grandes, camisas da cor do grupo e coração em um compasso mais forte. Existia a alegria vibrante para viver e resgatar memórias. O nosso passeio seria para O MUHCAB (Museu da História e Cultura Afro-Brasileira) e Pavilhão Maxwell Alexandre. A escolha desses lugares se relaciona com a nossa proposta pedagógica e o desenvolvimento das dinâmicas e impactos que queremos promover em nossas crianças e adolescentes e consequentemente em suas famílias, como por exemplo: autopercepção positiva e capacidade de acolhimento ao outro, ao diverso e comportamento protagonista e criativo nos campos culturais; ambientais; políticos e econômicos. 

Fotos 2 e 3

O passeio com as crianças e adolescentes foi também um cuidado com as infâncias da equipe pedagógica que os acompanhava, os registros de cenas alegres e emocionantes transbordavam para um compromisso da equipe e da Rede Cruzada em criar diversos caminhos para a cartografia dos sonhos de cada um ali presente. Com isso, deixamos aqui alguns registros que rabiscamos em papeis após retornar desse dia que alargamos o mundo em nossos olhos, corpos e mentes. 

“Toda vez que a oportunidade bater na porta eu vou escancarar para os meus alunos, essa é a minha meta no caminho da educação. (…) A ancestralidade encontrada de cada um, a confirmação das histórias que escutam em sala, lembrar do que já foi dito, trazer, guardar situações que fazem sentido.”

“Visitar espaços que difundem a cultura afro-brasileira para além das histórias sobre a escravidão são de suma importância na construção de uma geração de crianças e adolescentes conscientes de suas ancestralidades, suas riquezas culturais e que encontram pertencimento a partir de um território simbólico. Ensiná-las sobre sua história é fornecer ferramentas de orgulho que serão fundamentais na construção da autoestima e protagonismo da sua história, vida e decisões.”

“É prazeroso sair do ambiente escolar e potencializar tudo que foi realizado com as crianças e adolescentes, fortalecendo as ancestralidades, a cultura, os valores, resgatando as histórias e a territorialidade.”

Que a possibilidade de viver, experienciar e brincar na cidade seja partilhada por todas as infâncias e adolescências! Que a gente continue no propósito de garantir esse direito. Que a gente crie poesias com os nossos olhares, conte e invente mais histórias. Que a circularidade, as energias e a educação para a liberdade sejam de fato o aqui e agora. 

“O melhor lugar do mundo
É aqui e agora”
Gilberto Gil
Foto 4

 


¹ Deskobrir é o projeto de Contraturno da Rede Cruzada e está presente em duas unidades (Unidade CDD e Unidade SNA) recebendo crianças de 4 a 17 anos.

² Lua Fonseca é coordenadora geral da unidade do Shopping Nova América, coordenadora do projeto Deskobrir, cientista Social e pedagoga.

Fotos 1 e 2: Exposição “Protagonismos – memória, orgulho e identidade”, curadoria Erika Monteiro, Phelipe Rezende e Stephanie Santana, MUHCAB (Museu da História e Cultura Afro-Brasileira)  localizado na Rua Pedro Ernesto, 80 Gamboa, Rio de Janeiro.

Foto 3: Pavilhão Maxwell Alexandre, localizado na Rua Figueira de Melo, 421 – São Cristóvão, Rio de Janeiro.

Foto 4: O projeto Negro Muro surgiu em 2018 e foi idealizado pelo produtor cultural Pedro Rajão e o artista Fernando Sawaya (Cazé). O projeto tem por objetivo resgatar memórias e eternizar personalidades negras por toda a cidade.